quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011



“O amigo francês”

Mais do que para um amuse bouche, uma vez que na ausência dos históricos Caló e Afonso Dias não foi encomendado jantar substancial, estávamos ali, na Adega Amável, para fazer um casse croute que servisse de refeição ligeira. Eu, o António Grosso, o Augusto Miranda e o que chamarei, para preservação da identidade da figura de tão inconveniente comportamento, “o amigo francês”. E vereis porquê:
A conversa estava animada, o canjirão da murraça saltitava de copo em copo enquanto debicávamos uns cubozinhos de bacalhau frito quando, vindo dos lados baixos desse tal amigo, sem qualquer respeito pelo altar da mesa, oiço o que de imediato me pareceram dois discretos, mas ainda assim timbrados, marmelos. Não queria acreditar, mas tal manifestação de flatulência dificilmente se confundirá com o arrastar de uma cadeira, tampouco com o esfregar de pés no chão. Contudo, contido, calei-me.
Provávamos nós um afável paio fumado, quando nova manifestação de ventosidade sonora me chegou aos ouvidos. Et voilá! Não havia dúvidas! O marmanjão abria-se à descarada, e mais, à grande e à la française. Um rubor de ira subiu-me à face. Contudo, ainda educadamente, engoli em seco.
Com os queijinhos de ovelha curados a conversa entre o António Grosso e o Augusto Miranda animou mas, sabe-se lá porquê, descambou para uma personagem de Faro, um tal Bentinho, criatura essa que de resto desconheço, pelo que me mantive alheio. E talvez por isso, quando o amigo francês resolve intervir, elevando a voz sobre nova salva de morteiro, ele de entretido que estava com a sua intrigante e inoportuna recriação, meteu os pés pelas mãos e desatou despropositadamente a falar de uma outra personagem, o Mindinho, ex-colega de liceu.
Reconheço que perdi as estribeiras! Arre porra que é de mais, explodi de raiva denunciando a situação!
Os outros dois compadres riam a bandeiras despregadas, o que eu, muito justa e sentidamente, tomei como um enxovalho.
Após dois copos da rija a acompanhar bolinhos secos, entre risos e gargalhadas dos três mecos, já saíamos à porta de armas e ainda se ouviam resquícios da bombarda bretã.
Ante tanto despropósito a comida e quiçá a bebida não me caíram bem.
Indignado, abandonei o grupo, virei costas à taberna e recolhi a casa cabisbaixo reflectindo sobre as ponderosas razões que levaram em Roma Cícero a vociferar ao irreverente e impertinente Catilina:

“Qvosque tandem abvtere, Catilina, patientia nostra?”

Jorge Leiria

Sem comentários:

Enviar um comentário